Antônio Coelho Meirelles Varela nasceu na freguesia de Santo Amaro de Jaboatão, capitania de Pernambuco, em 1695, e faleceu aos 7 de julho de 1779, em Salvador, Bahia. Seu pai era o Sargento-Mor Domingos Coelho Meirelles e sua mãe Francisca Varela, também naturais da Santo Amaro de Jaboatão. Seu pai, em virtude de suas funções militares, ocupava uma posição privilegiada em uma sociedade fortemente marcada pela busca de destaque social. Competia-lhe supervisionar os regimentos militares e participar da administração judicial de sua região. Também atuava como mediador em disputas e processos judiciais. Na virada dos séculos XVII para XVIII, o pároco de Santo Amaro de Jaboatão era Agostinho Coelho de Meirelles, tio paterno de Frei Jaboatão e seu primeiro instrutor de latim. Atuavam, portanto, na vila em que nasceu e cresceu Frei Jaboatão, dois membros da família Coelho Meirelles com investidura de autoridade: seu pai, militar, cuidava da vida civil e seu tio, irmão de seu pai e pároco da freguesia, que zelava pela vida espiritual.
Ingressou no noviciado em 1716, aos 22 anos, no Convento de Santo Antônio do Paraguassu, na Bahia, e completou estudos de filosofia e teologia em Salvador, num período de expansão e reconstrução dos conventos. Ordenado em 1725, atuou em Olinda, onde iniciou sua carreira como pregador, destacando-se por sermões que exaltavam a diversidade étnica na formação do Brasil e defendiam a dignidade das pessoas pardas — uma visão avançada para o contexto colonial. Sua ascensão na Ordem foi rápida: mestre de noviços em Igarassu (1727-1730), guardião da Paraíba (1751-1753), secretário provincial (1752-1754) e guardião do Recife (1754-1755). Em 1755, foi eleito definidor e cronista oficial da Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil, incumbido de registrar sua história. Essa nomeação revela não apenas prestígio, mas também confiança em sua capacidade intelectual.
Jaboatão não se limitou à vida conventual: integrou a Academia Brasílica dos Esquecidos (1724) e, mais tarde, a dos Renascidos (1759), espaços que fomentavam a reflexão sobre identidade colonial e história do Brasil. Essa experiência acadêmica influenciou sua concepção historiográfica, aproximando-o da cultura letrada ilustrada, ainda que marcada pelo providencialismo.
Seu método histórico, embora distante dos padrões modernos, revela consciência crítica: preocupação com fontes, reconhecimento da dispersão documental e tentativa de sistematização. Ele admite limitações — precariedade dos arquivos, ausência de títulos e numeração — e alerta para possíveis erros, mas reafirma compromisso com a verdade. Essa postura indica uma transição entre a crônica tradicional e uma historiografia mais reflexiva.
A vida de Jaboatão também foi marcada por tensões. Em 1770, já idoso, foi acusado por Frei Manuel da Epifania de “perturbador da paz”, revelando disputas internas entre frades brasileiros e portugueses. Essas rivalidades refletiam um cenário mais amplo: questionamentos sobre autonomia das missões indígenas e resistência às interferências do arcebispo da Bahia. Jaboatão defendeu a autoridade franciscana, posicionando-se contra a submissão das missões ao ordinário local.
Esses conflitos se inserem na crise das ordens regulares após as reformas pombalinas. A lei de 1755 concedeu liberdade aos indígenas e retirou das ordens a administração temporal das missões, iniciando um processo de decadência institucional. Nesse contexto, a escrita do Orbe Seráfico assume caráter estratégico: preservar a memória franciscana e legitimar sua importância na formação do Brasil.
O Orbe Seráfico, Novo Brasílico
Em 1752, Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão foi nomeado secretário do Padre Provincial, iniciando uma jornada pelos conventos para avaliar arquivos e cartórios. Em 1755, foi oficialmente eleito definidor e cronista da Província de Santo Antônio do Brasil, função que exigia registrar a história franciscana com rigor e periodicidade. A tarefa era árdua: viagens longas por estradas precárias e rios, pesquisa em arquivos dispersos e deteriorados, além da necessidade de consultar documentos de freguesias, outras ordens e capitanias. Jaboatão reconhecia a precariedade das fontes e admitia possíveis erros, mas reafirmava seu compromisso com a verdade histórica. Nascia assim sua obra mais importante: Orbe Serafico Novo Brasilico, descoberto, estabelecido, e cultivado a influxos da nova luz de Italia, estrella brilhante de Hespanha, Luzido Sol de Padua, Astro Mayor do Ceo de Francisco, o Thaumaturgo Portuguez S.to Antonio, a quem vay consagrado como Theatro glorioso, e Parte Primeira da Chronica dos Frades Menores da mais Estreita, e Regular Observancia da Provincia do Brasil.
A escolha do título Orbe Seráfico, Novo Brasílico revela a intenção de unir a história franciscana à formação do Brasil. Para Jaboatão, franciscanos e brasílicos estavam ligados por uma “aliança espiritual”, e a história deveria refletir essa relação providencial. O termo “Novo” indica a ideia de renovação e integração da América ao mundo, enquanto “brasílico” reforça a identidade local, em sintonia com os debates das academias literárias da época. Sua passagem pela Academia Brasílica dos Esquecidos e depois pela dos Renascidos influenciou sua visão metodológica e seu interesse pela valorização dos habitantes do Brasil.
A primeira parte do Orbe Seráfico foi impressa em Lisboa em 1761, organizada em quatro seções: licenças, preâmbulo, crônica e um anexo panegírico. A obra apresenta a história franciscana desde a chegada dos frades ao Brasil, associando evangelização, colonização e defesa da fé. Jaboatão interpreta os acontecimentos sob três sinais: conquista da barbárie indígena, restauração de Pernambuco após o domínio holandês e afirmação do poder pernambucano. Sua narrativa combina descrição geográfica, etnográfica e histórica, com forte caráter providencialista.
A segunda parte foi concluída em 1767. Jaboatão não chegou a ver impressa a segunda parte da sua obra. O manuscrito permaneceu guardado no convento de Salvador, e sua não publicação pode ser explicada por falta de recursos, desinteresse editorial ou pela crise das ordens regulares diante da ascensão do clero secular. Somente no final do século XIX a obra foi publicada integramente pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
O Orbe Seráfico é mais que uma crônica religiosa: é um projeto historiográfico que busca legitimar a presença franciscana e inserir os brasílicos no centro da narrativa colonial. Embora marcado por limitações metodológicas e ideológicas, constitui uma fonte essencial para compreender a mentalidade do século XVIII, as disputas entre ordens religiosas e a construção da identidade colonial. Sua leitura revela uma história concebida como expressão da ação divina, mas também como instrumento político e cultural em tempos de transição.
